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segunda-feira, 13 de julho de 2020

Condição necessária e suficiente.

 Dr. Zé Luiz Cavalcante

      Na lógica matemática o estudo das proposições e suas implicações é fundamental para que possamos compreender a natureza dos julgamentos, especialmente, quanto a sua validade. Isso importa, porque a linguagem matemática se baseia no raciocínio lógico, ou seja, se partimos de premissas erradas não poderemos chegar a conclusões corretas.
         Os recentes desdobramentos do cenário político nacional, nas mudanças quase que semanais, de alguns ministros, cuja importância estratégica para o País é vital, como Saúde e Educação, por exemplo, me fizeram voltar às aulas de lógica.
          Não irei discorrer sobre os motivos que levaram a saída de um ou outro ministro. Não discutirei a postura do atual Presidente da República no enfrentamento da terrível crise sanitária que atravessamos. Aliás, nem pretendo atacar o governo ou defender governos passados, há tempos tenho me policiado no sentido de superar o discurso dicotômico, letárgico e, às vezes, fanático seja em prol de qual lado for.
        Há poucas semanas uma das pastas mais importantes do governo, o Ministério da Educação, perdeu seu ministro. O primeiro ministro, Velez, parecia não ter competência para o cargo e sucumbiu rapidamente. O Segundo, Weintraub, envolvido em sucessivas confusões e repetitivos discursos desastrosos, fez uma cruzada contra universidades públicas com o discurso ideológico e perverso. Fez até a dancinha da chuva, cômico, se não fosse trágico. E o terceiro? Até o fechamento dessa edição não se sabe, quase foi o Decotelli, quase.
         O fato é que Velez, Weintraub e quase Decotelli, não conseguiram dar conta das urgências e da complexidade da pasta. A discussão sobre o FUNDEB, isso mesmo, aquele fundo que é responsável pelo financiamento da maior parte das despesas da Educação, encontra-se estagnada. As políticas de alfabetização pararam. Mas o problema era “Paulo Freire” e seu método. O problema era o discurso de gênero nas escolas. O problema era a doutrinação marxista. Sim, digo isso por que li o plano de governo do atual Presidente, um “PowerPoint” de 80 (oitenta) e poucas páginas, e na parte da Educação apontava esses pontos como problemas da nossa Educação. Nenhuma política séria foi implantada. (ahh) “Mas teve aumento salarial”, que por acaso estava previsto no plano nacional de educação como uma obrigatoriedade e não como benevolência de gestores.
         Na Educação ações e resultados positivos não são diretamente proporcionais. A política pública de hoje gera benefícios lentamente, as mudanças não são do dia para a noite. Do mesmo modo que ausência dessas ações perdura por gerações.
       Dito isto, agora podemos voltar à lógica matemática. Sim, porque nas últimas semanas a Educação virou notícia. O ministro que saiu, “para evitar ser preso”, excelente narrativa para quem gosta de teorias conspiratórias, deixou o cargo vago e o ministro indicado parecia ter as qualificações necessárias.
Após o anúncio da indicação de Decotelli, choveram cards e mensagens nas redes sociais, dos seguidores do Presidente, com expressões do tipo “agora temos um negro como ministro da educação”. Esse tipo de expressão é fundamentalmente racista, pois a celebração deveria ser pela capacidade técnica dele e não pela cor da sua pele. Não existe branco ou preto competente, existem “pessoas” competentes ou não. Do mesmo modo, após descobrir que as informações do seu currículo estavam equivocadas, apareceram cards e mensagens nas mesmas redes, agora dos dois lados, com frases “o nego mentiu”, “além de negro...”, agora o racismo institucional se escancara, se declara mais “claramente”.
E o que tem isso haver com lógica matemática? Já me explico. Ora, de fato, ao ser alçado ao cargo de Ministro da Educação, Decotelli, teve sua vida varrida, ainda mais nesses tempos de Internet e caiu num erro crasso. Mentir sobre sua formação. Isso, o título de Doutor não havia sido conferido. Isso foi a ponta da linha que o levou a desistência do cargo sem nem assumir. Curioso é que erros semelhantes foram cometidos por alguns dos atuais ministros, disseram ter a formação que não tinham, embora ainda continuem no cargo.
E agora sim, podemos falar de lógica formal. Os termos condição necessária e suficiente se referem à relação de implicação entre duas proposições. Por exemplo, Se João é pernambucano, ele é brasileiro, “ser pernambucano” é condição suficiente para ele ser brasileiro. No entanto, “ser brasileiro” não é condição suficiente para ser pernambucano. Nesse caso ser Brasileiro é uma condição necessária para ser pernambucano. Não existem pernambucanos nascidos no Japão.
         E aqui fica a reflexão: é preciso ser Doutor para ser competente? Conheço inúmeros professores e gestores que não o são, mas são competentes, do mesmo modo, que conheço alguns doutores, cuja formação humana, passa longe do título que ostentam.
         Qual o proposito de mentir, dizendo ter um título que não possuí? O diploma é uma condição necessária para certos cargos, mas não é suficiente para atestar competência. Já a ética universal, aquela do (por muitos maldito) Paulo Freire, é necessária e suficiente, uma dupla implicação, para exercício de qualquer que seja a função social e humana.
          Em sua ética universal, por exemplo, mentir é errado e ponto. Minhas palavras ganham corpo na prática de minhas ações. O doutorado, para muitos um sonho, é uma etapa singular de nossa formação acadêmica, especialmente, para quem trilha o caminho da docência, mas o título por si só, não é garantia para que sejamos bons profissionais. Mas a questão por traz do “fetiche” de se apresentar como doutor, tendo que mentir é bem mais complexa.
Se vivêssemos numa sociedade mais justa, por exemplo, ter doutorado não seria algo extraordinário para quem estuda, mas aqui, onde pobres e pretos seguem morrendo e à margem da sociedade e das políticas públicas, tudo depende de uma confluência de oportunidades. Conheço amigos que abriram mão de muito para chegar lá, e hoje, seu pagamento a sociedade é ajudar outros a trilhar o mesmo caminho, eu chamo isso de compromisso e competência. Mas sabemos que infelizmente, muitos ainda não têm o direito de se quer ir para universidade ou de permanecer nela.
Dr. Jose Luiz Cavalcante
Nosso papel, como educadores é ajudar essas pessoas, fazendo do direito à educação um processo natural, não um privilégio de poucos. Ser doutor não basta, mas dizer que é sem ser é desnecessário, como vó já dizia: “- mentira tem perna curta, meu filho”.

                 

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