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domingo, 19 de abril de 2020

O Brasil segue parado, mas o tempo não para


Amanhece o dia e no rádio toca uma canção de 31 anos atrás: “a tua piscina tá cheia de ratos, tuas ideias não correspondem aos fatos”. Esse é um dos belos e fortes versos da canção “o tempo não para” que integrou o álbum homônimo do cantor Cazuza, esse foi um dos seus últimos registros ao vivo.
O ano era 1988, o País estava aprovando sua nova Constituição símbolo máximo do processo de redemocratização, que se iniciou com a derrubada do regime militar que durou 21 anos entre 1964 e 1985.
A força poética de Cazuza contrastava com a coragem de bater de frente com uma sociedade que por durante duas décadas viveu um dos seus períodos mais violentos, pois a violência era institucionalizada pelo Estado. Massacres indígenas ocultados da grande mídia à época são um bom exemplo do que estou falando. Mas a canção de Cazuza não era sobre o período militar, era sobre o momento atual da sociedade brasileira que se preparava para viver uma democracia.
Mal acabáramos de sair de um período de censura e repressão e era preciso de dizer que a onda de conservadorismo e hipocrisia era uma máxima na nossa sociedade. Como bem disse Cazuza o tempo não para e já se passaram 31 anos daquela época.
O museu das grandes novidades está aberto e repetimos o passado em muitos aspectos. A sociedade continua ainda mais conservadora. Os índios ainda morrem, a violência não é só institucionalizada como também incentivada. E a corrupção? Esse é um velho mau que tristemente nos acostumamos a conviver desde os tempos mais remotos.
Acrescente-se a esse museu a velocidade com que boatos e fofocas, hoje fake news, são espalhadas. A população que antes só tinha o discurso da grande mídia a sua disposição o que já não era bom, pois a TV ditava as verdades, agora dispõe de um mundo de informação e informantes nem sempre confiáveis. As redes sociais passaram a ser a principal fonte de informação de muitos. O poder desse tipo de informação é tão forte que vi amigos dizendo que tinham que votar em determinado candidato para acabar com esse negócio de ensinar “sexo nas escolas”, educadamente, perguntei: - sou professor há mais de 10 anos e nunca vi isso nas escolas, a resposta: - você é diferente, é um grande professor! Apesar do elogio fica patente o quanto as informações veiculadas nas redes sociais tem poder de verdade para as pessoas.
Em 2014 falei sobre minhas impressões do momento político com a reeleição de Dilma, critiquei o discurso pífio da presidenta eleita e via com maus olhos a cruzada iniciada pelo candidato derrotado em proferir e inflamar seus seguidores sobre a legitimidade do processo.
Dois anos depois, novamente fui convidado a retomar aquele texto. Nesse período a presidenta perdeu o cargo em uma manobra política que foi um dos espetáculos mais sórdidos da história da política do Brasil, basta lembrar os discursos dos deputados na tribuna. Não por acaso vieram à tona escândalos de corrupção do então candidato derrotado.
O País dividido e mergulhado em um clima de recessão e incerteza. Era 2016 e Michel Temer assume o governo federal com a promessa de coalisão política para “colocar o País de novo nos trilhos”. Um “grande acordo” nacional que até agora não deu certo. As pressas foram propostas reformas que não trouxeram os ganhos prometidos, não para os trabalhadores e os menos favorecidos.
Vieram as eleições de 2018 e uma parte considerável da sociedade brasileira optou por eleger para o governo federal Jair Bolsonaro. Suas credenciais para o cargo já mais que conhecidas, assim como muitas de suas posições. O conservadorismo, a defesa da “família”, se tornaram razões para tolerar praticamente tudo, até a defesa da “tortura”. Seja em altares sagrados ou profanos isso não é admissível. Até Paulo Freire virou vilão.
É nessa hora talvez que o leitor de opinião contrária dirá que “eu apoio A ou B”, que “sou a favor da corrupção”... calma nobre amigo ou amiga, como você,  não sou a favor disso ou daquilo, mas não posso com meus valores e crenças defender o projeto de Brasil que está posto.
Desde janeiro de 2019 temos assistido o embate político que remonta ainda ao período eleitoral e o movimento iniciado desde 2014. O país se dividiu entre os que apoiam o presidente e sua agenda e os que não o apoiam. Para muitos, criticar o atual presidente é o mesmo que “defender Lula e o PT”, o que é no mínimo rasteiro. Esqueçamos “lula” e passemos a pensar como nação. Precisamos de uma reforma “previdenciária”? Que tipo de reforma? Precisamos de uma reforma política séria? Reforma tributária? Então como faze-la de modo com que todos ganhem com isso? Nossas universidades públicas devem continuar a serem públicas? O que nós queremos? Até que ponto a submissão a países como Estados Unidos da América é benéfica para nós?
São muitas questões! Precisamos de emprego, de políticas educacionais sérias tanto para Educação Básica como para Educação Superior, precisamos de valorizar nosso sistema de saúde, precisamos combater a corrupção com a energia e vigor exemplar, mas não precisamos eleger juízes ou mitos como heróis para depois não nos decepcionarmos ao saber que alguns desses mesmos juízes e mitos não agem dentro dos padrões da justiça e da ética, ou como diria Cazuza, “tua piscina tá cheia de ratos” de modo que as suas ideias não correspondem aos fatos.
            Enquanto isso as coisas seguem à sua maneira o povo assiste calado o mesmo teatro, de um lado uma esquerda que já não é esquerda faz tempo, gritando “lula livre”, do outro o povo exaltando um “mito” que só fala sandices, que cria toda semana uma cortina de fumaça para entreter súditos e confundir opositores. Nesse limbo alguns poucos continuam lucrando, o mercado dita as regras e ganha com elas.
Como acordar uma nação que ignora a presença de crianças na praça pedindo esmola, se prostituindo? Eles dizem que o problema do Brasil é o comunismo, já eu digo que o nosso problema é aceitar o cinismo estampado na cara de quem só deseja se beneficiar às custas da miséria do nosso povo.
O tempo não para. Vamos envelhecendo e cumprindo nossa missão. As novas gerações estão a caminho, penso que não temos o nível de educação que precisamos para acordar e promover as mudanças que necessitamos ainda, e se não plantarmos isso urgente, continuaremos a repetir o passado como aquela canção dizia.
Prof. Dr. José Luiz Cavalcante
Universidade Estadual da Paraíba

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