A fraternidade de Focauld sugere “certo bom humor para mexer-nos convenientemente pela vida”. É uma sugestão. Dos centros metropolitanos mais azedos até as mais tediosas e poeirentas cidades do Brasil, somos por vezes além da conta, infindas multidões de ressentidos, chatos e frustrados senhores.
Reis da gastrite nervosa, fregueses
de psicologices, gostamos de certa confusão ocidental. Fiéis aos estereótipos,
temos medo de sermos felizes, contra o que já se insurgiu num tempo decente,
uma frente política brasileira. A morte de Cazuza- ainda que já bem distante-
mexeu com isso. O cara rompeu espécie de pacto com a mediocridade. Ficou rindo
até não poder mais, esticando músculos da cara magra. Sem bochechas bojudas,
fartou-se de brilho em cada olho. Quando a mídia partiu-lhe em encalço, meio
abutre querendo carne e sangue, reagiu. Nada de vitrine com agonizante exótico.
Nada de paixões letais, espetáculo de compaixão. O sofrimento entre os
patrícios é visceral. E é, para milhões de casos, algo instalado que de tanto
ficar vai fazer falta se desaparecer. Esta tendência pode vir dos monges que
não riam na terra de Santa Cruz, que merecíamos fosse terra da santa
ressurreição com toda sua festa. Pode vir da esquerda laica, ferida de sangue.
Sob açoites de cilício ou pau-de-arara o corpo internalizou o algoz e seus
censores internos recusam alegria. Até quando os ratinhos, em face do pão sem
choque, da possibilidade de riso sem tortura, dirão que não querem cair em
tentação?
Muito cara de pau aquele Cazuza. Sua
alegria foi grosseira, acintosa. Seu recado final de disposição pela vida foi
sua carraspana mais complexa e mais eloquente. Pacientes terminais são muitas
vezes cobaias das técnicas de prolongamento de sobrevida. Não se protege e
defende o direito de adição do desejo, da prerrogativa do prazer. Gasta-se o
esforço hipócrita de salvar a vida matando-se o prazer. A alegria daquele
Cazuza teve sabor de disparate, encrenca comprada até a última hora. Ninguém
vai poder fazer- a partir daquele Cazuza- a apologia moralista que combina
necessariamente gozo e risco, prazer e peso de consciência. Aquele Cazuza
resistiu e morreu num campo bom de briga.
A aids o matou, qual o problema? Mais gente terá sofrido com a sua
valentia. Os que se aproximam de doenças, dando-lhes valores míticos e nulidade
ontológica. Mais gente terá sofrido. Os que silenciam frente à expansão
autoritária do poder médico-institucional ou reinvestidas de sacristias
sisudas.
Doente mal comportado. Com raiva de
paninhos brancos, mãozinhas no álcool e “não perturbe” em inglês. Puto com
quartos de reclusão, confisco hospitalar e sussurros respeitosos. Viva a vida
virótica, a vida erótica, errática, viva a vida virou. A morte tem aplauso de
ninguém. Sem plateia, indesejada, ninguém pede bis. Coisa vencida, digna de
melhor zombaria. Aquele Cazuza riu-se dela. Fez-lhe caretas. Bateu no peito, do
lado que bate vida e afirmou a eternidade. Agenor de Araújo e de todos. Um
cara.
Nenhum comentário:
Postar um comentário